Aurora

Brotavas na água
antes do amanhecer.
Enquanto o sol
descortinava brisa
espalhava orvalhos sobre raios
distribuía gotas de cantos e preces...
Brotavas trazendo o dia
a flor religiosa
que purifica o pecado
e oferece a carne
como redenção de todos os males.

Passos

Em alguma esquina
cabe a vida
em diferentes quinas
perspectivas
em preto e branco.

Sem pecado

Queria não ceder aos olhos
desprezar o que eles atiçam
e nos convidam a engolir...
Queria ser suficiente
não depender de tanto
não pedir rotina
apagar da tola retina
o desejo de pecar
sem pecado.

Salvador

Ser ou não ser
craque
boleiro
meeiro
da grande área?
Ser do jogo a bagaça
A vítima e alvo da vaia
mas um minuto
uma jogada...
redentor
salvador
do dia
da pátria.

É mico?

É mico.
Amar quem não nos ama.
Matar o que não se mata.
Carregar o que não podemos
ou não conseguimos levar.

Colagens

Ainda filosofamos
sobre o imponderável.
O divino que se expande
a cada minuto de vida
a cada galo que canta
buzina que soa sofrida...
Não há sentido
nem ponta de rumo.
O norte é a consciência
que espera ctrl c + ctrl v
para o dia começar.

Cuidado!

Nem tudo é o que se vê
nem tudo.
Língua toca além boca
mão suga paisagem vista
pássaros e peixes
desfazem-se metáforas.
Limo e lama
se acumulam nos póros
sufocam lembranças pardas...
anulam por instantes
ciência e razão.

Onde Judas perdeu as botas

As botas
indicam quão longe
estão meus pensamentos
hoje.

São João

Hoje no vosso dia rogo
saúde pro pai
agradeço vossas bençãos
confirmo vossa palavra.
Peço pra que esse dia
seja sempre festa
celebração e caminho.
Que seja  o início de novos dias
novos tempos.
Que sejais mais presente
nos dias
nas lembranças
merecendo a glória
em qualquer língua
ou religião.
Axé!

Chá

Preciso de chá
que cure o tempo
que passe a dor
que meça o rancor
que deixe em silêncio
a tempo...

Marx

Essa barba não mais assusta
 virou drogaria
pastelaria mendigaria
moda.
O ópio do povo é consumo
Nada mais vicia
Nada tão opulento mata.

A sombra

A sombra assusta.
Ela é muda
cheia de pulhas
que babam pelam puxam
o saco o rabo o asco
dos donos do poder.

Lucro

Lucro acima de tudo.
Acima da vida
espalhada nas ruas
escancarada nas mãos pedintes
escarrada na moral vazia
dos senhores do mundo.
Globalização
da pobreza
obesa
miséria
parece pilhéria
e é.

O bote

O bote
surpresa.
A presa
é o mote.

Sobreviver
é ilusão.
Embora o não
leve ao morrer.

A vida é justa

A vida é justa
ajusta problemas
regula vidas
amplia medidas
anula expectativas
bota ponto
perpetua cicatrizes
mazelas serelepes
do destino.

Ontem

Ontem vi o sol rugir à noite
abrir as entranhas do horizonte
afogar a chama na água dos oceanos...
ontem a lava jorrava dos olhos
do crepúsculo
incendiava os lagos
fervilhava pele
deixava gotas de fogo
derramadas no cais do esquecimento...
Isso foi ontem...

O amor perdido

Suas mãos tocavam
a minha imaginação
na mais íntima pretensão
de achar em algum ponto
o amor perdido
ainda novo
tirado sem autorização
do sentimento e da razão.

Amor e versões

Esquecer quem ama dói
tanto como a presença ausente.
Deixar peso preso num canto
em meio a sol e chuva
pouco muda
para quem não acredita no amor
e suas versões.

Mudanças

O último beijo sem gosto
trazia cheiro de sangue
largava sonhos no mangue
deixava o amor em desgosto

Sim você balbuciava
entre bebidas e delícias
adeus em malícia
ironias em cascatas jorravam

Tudo exagero
gestos patéticos
invenção dolorida
combinação de desesperos

Você um dia musa virgem
agora leviana dissimulada
memória sem data
apenas sabor de vertigem.

Anjos

Precisamos de anjos
ao lado ao passo
para levar
conduzir
a verdade
separar afastar mentira
o peso da inveja
da maldade.
Precisamos deles
sentimos falta
eles sabem
sabemos mas não entendemos
ou não sabemos?

Colorir

Pinto quadros
vanguardas tolas
riscos sem sentido
mas arte.
Traços leves
troços estranhos
rasgos em nós
pulverização de tintas
latente fantasia
de tocar sem tatear.

lenha

Cansei de colocar lenha
distribuir senhas
ao céu ao universo...
e você quis o retrocesso
de amar assaz
poema poeira verso.

Lua

Procuro uma lua
una muita
luva leve
antes que o amor
me pegue
e se atreva
jogar cor sua
na rua
na minha
na lua.

Esperança

Ainda há de voltar
a memória
as palavras
os entraves
o riso contido
o humor severo...
ainda há de deixar sua vida
seguir seu trilho
reinventar suas hipóteses
viver com dignidade
acima do meu
do nosso desejo.

Voar

Voar
um princípio que ignoro.
Preso à vida
murmuro até dez
a liberdade condicionada.
Orgulhos se espalham daninhos
humildades se perdem dos ninhos...
amores se vão nas cinzas da horas
ciúmes se partem em miscelâneas
olhos choram o perdido
o vago o vazio...
é tempo de voar
catar novas promessas
viver novos encantos
e pedir uma chance ao destino
pra pegar leve
sem ser traíra
sem ser breve.

colar

Deixei sobre a mesa
um colar com pedras de tempo
cada conta é um dia
cada trecho é uma ano
o cordão minha guia
em cada ponta
um ponto de desencanto.

Estandarte

De retalhos
fiz meu estandarte
espalhei por toda parte
pedaços de cores
de um céu que já não vejo
uma lua que em mim
já não brilha
um silêncio colado de vozes.

Dois mundos

Dois mundos
duas vontades
letras garrafais
neon quebrado
poeira entre uma e outra desculpa
o anoitecer antes da hora
estrelas cegas
flertes entre vaga-lumes
e besouros atarantados...
tudo fora de ordem
nada com sentido
tudo proibido
e algum adeus.

Aberta

A porta aberta
apenas mostra o perdão exposto
a fratura curada
a vontade de repor
aquilo que partiu
e não curou.

Santa

Em Santa Teresa
sinto um ruir de tempo
diante de fachadas
e casarões estancados
entre olhares curiosos.
Um trilho sem bonde
lembra a vida tirada
criminosamente
lembrando que o silêncio
é a pior forma de deixar o mal gritar
é a pior forma de se ver esparramar
o esquecimento...
Santa Teresa
entre botecos bares e alternativos
um cheiro de comunidade
ainda permanece
um ver a vida entre micos
gatos galos cachorros...
O passado diz presente
mesmo que não queiram
mesmo que não amem
A Santa que nos protege do alto
a cidade flechada de interesses
e lacaios.

Pedaços

Pedaços de mim ficaram
a cada dia
em que disse meus sonhos
compartilhei minhas vontades
mensurei minhas verdades...
e um dia
lacunas de um vento sem
enredo nem verso brotaram.
E esparrado o silêncio
apenas em  silêncio
levaram seus pedaços

Sinta

Quem procura...
se perde
daquilo que está ao lado
daquilo que não é concreto
daquilo que deveria ser essência.
Assim...
Não procure...
Sinta.

Espero

Espero reencontrar segredos
deixados no tempo
encantar meus temperos
que me entregaram
a um amor perdido
em algum mapa
em alguma boca...
Espero descontar tanta salmora
dessalgar insanidades
destravar a língua
revelar tanta mágoa contida
espelhar tanto sonho mentido
e calar esse choro
que à noite vem
baixinho
 baixinho...

Cegueira

A cegueira que incomoda
é aquela que tira de nós
a visão do próximo
da vida
que se esconde na ganância
da intolerância do lucro
na fumaça do desmundo
que somos impostos
a respirar.

Três

Três ?
Não pode.
Não é permitido.
Não é tolerado.
Não é cabido.
Não há verdade.
Não é racional.
Não semeia o bem
germina o mal.
Não,não é possível
(alguém sairá ferido).
Não é religioso
é pagão.
Não é felicidade
é melancolia.
Não encontro
é anomalia...
Não,não pode...
o mundo não quer
o outro não quer...
sempre serão
 dois contra um
sempre existirá
um desencontro
o projeto será diverso
o amor será aventureiro...
mas será que não haverá o amor?
Entre o divino
o cabalístico
ficamos com a realidade
e suas cruéis faces.

Um

Ser um em meio a tantos
iguais em parecer.
Ser passo apressado
vida contada
em trabalho estudo saliência...
Ser um
digital empenhada
rosto caricato da necessidade.
Ser um
opinião e respeito
atitude e desprezo
moeda de única face.
Ser um
hiato das noites solitárias
pode ser a dois
mas precisa ser ditongo...
Ser um
a qualquer preço
por qualquer ideologia
mesmo que sangre verdades
jobs sejam dados no dia a dia.

Dois

A vida par
é mais que dois
mas começa a dois
o invento de se amar
o plural de se reinventar
pra caber no espaço
no amasso
que a intimidade dá...

Cansaço

A criança cansada
torna o universo mais sombrio
a casa mais calada
energia vazada
nos olhares adultos
sem tolerância.
A vida precisa ser criança
pra ter energia
pra ter novidade
pra ter algum encanto
e não ter vergoha de nada.

Sem nostalgia

Nostalgia
ligou e deixou recado:
-Cara,não enche o saco!

Viver

A crença de que a vida se dá
renovada em prece
e se mostra generosa
na bondade depositada no colo
de quem se ama
e de quem precisa.
Colher nova vida e horizontes
sempre que possível
na humildade de ouvir
na generosidade de se dar
sem nada pedir
sem nada esperar
apenas para viver.

Parkinson

Querer e não saber
querer e não poder
querer e esquecer
e não mais levar
não mais voltar
somente andar
passo a passo
limitado
contornado em tremor
em travamento
esquecimento
íntima solidão.

Gauche

Ser gauche custa caro.
Custa ser banido
ser olhado de lado.
Custa não ter crédito
não ser recebido pela porta da frente.
Custa ser tachado
previamente acusado
viver solitário
entre ruas e casas.
Custa ser sincero
onde reina a hipocrisia.
Custa passar o tempo
esperando os dias
de redenção com dor
sem anestesia.

Comissão da verdade

Qual a cara da verdade?
Ela sobrevive ao tempo
ou vem em partes?
Qual a validade do escrito?
Como fica o escondido
o borrado o distorcido?
Como fica quem fala
quem corrompe
estupra e mata?
Esquece nas ranhuras
na hipocrisia do tempo?
Silencia pela ideologia
pelo preço do nosso tempo?
Como fica a verdade?
Ela muda
permuta
ou chuta nosso comodismo?
Talvez ela não cheire tão bem
pra memória de muitos
mas é fundamental
para fazer um futuro novo.
Um povo novo?

Cala a boca!

A vida é tão rápida
viaja sem bilhetes
nem mensagens programadas.
E vem você destilar
ironias finas
olhar sem medir palavras
sem colar suas pontas
sem contar suas contas
judiar de quem trabalha...
Cala a boca
passa de fase
sua presença suja minha verdade
mancha minha vontade
borra minha tolerância.
Dá um tempo!

Preço

Tudo na vida se faz preço
faça o seu
o mais caro
e raro possível.
Não aceite barganhas
pechinchas
quem se abaixa demais
mostra o que não pode
nem deve.

Futilidades

Seu nascimento só tem vida
se houver marca
registro e capital.
Você nasce embalado
vive remarcado
e prospera(?) no livre arbítrio
de sonho
de ser igual na desigualdade
da felicidade capital.
Sonha com olhos contagiados
pela luz do consumo
pela trilha sem rumo
que você entrega sua vida
depois de polida
mexida e estagnada.
Ri ,gargalha e desdenha
de toda crítica
pois a sua euforia tem hora
a sua crise já vem...
fechará portas
aumentará juros
gritará socorro
fará sucumbir a massa...
afinal ela gasta
ela paga
o prazer e a dor
desse estilo de vida feroz.

Prometo

Prometo
que não mais ligarei.
Não mais sairei a tua procura
nem economizarei palavras
na certeza de saber que tudo é vão.
Prometo
que as cinzas serão palavras
sentimentos serão humus
que não mais brotarão desse chão
chamado saudade...
nem mesmo sairá sol
tampouco a lua
neste céu onde te plantei
um dia...
eu prometo!

Passado

Não sei explicar o que tenho.
Não sei se são saudades
 da aurora de uma vida
que foi breve mas bem vinda...
sei lá não dá pra entender.
Mas sei que muito encanto
alguma nostalgia ainda há
porque ficaram brechas de poesia
que não foram preenchidas por brigas
martírios ou desencontros.
Mas é presente
hora de cada um seguir
a escolha de sua vida
deixar sob alguma mangueira
parreira o que for
aquilo que não se deu
nem dará.

Espero

Quem sabe de mim
há muito saiu de mim
levou minhas vaidades
virtudes laureadas
segredos sonhos e afins.
Espero sem esperanças
a maré devolver
o mínimo do fim.

Perdido

Aquilo que foi perdido
deixei em algum canto.
Toda vez olho
na esperança de esquecer
o ignorado ponto
em que a sentença da vida
me deu desconto
pra suportar ausência
sem olhar juros tabelas lembranças.